Sobre a vida e crustáceos

Sobre a vida e crustáceos

Morrer é o maior risco de viver. E tem vezes que pedimos pelo fim. Vi isso ontem. Sai do trabalho cedo e fui para o ponto de ônibus. Lá encontrei umas crianças que judiavam de uns caranguejos que eles arrumaram sabe Deus como, sabe-se lá pra quê e só posso supor onde.

Dentro de uma sacola plástica com água e areia, o bicho era sacolejado e se encontrava espremido — até que resolveram soltar o pobre, que logo abriu os “braços” e ameaçava dar um beliscão no primeiro palhaço que encontrasse. Não sei, mas ele me pareceu bastante mal humorado — e não lhe tirei a razão.

Curioso é que semana antes eu mesma estava fazendo teatro com um caranguejo-defunto(ou defunto-caranguejo), mas este era de um bom humor invejável e filosofava sobre o fato de que seria em breve consumido.

A morte do caranguejo é uma das mortes mais cruéis que há — se não a mais vil. Há quem bata na cabeça do sujeito (uma preparação para o ato em si, não sei), enfie facas em suas aberturas, o jogue dentro de uma panela cheia de água fervendo! É de morrer!

O que as crianças fizeram ontem foi hediondo. Quando o bichinho (jeito carinhoso de chamar, pois se tratava de um monstro) se livrou do saco, recebeu tantas chineladas que chegou a ficar tonto. Como se não bastasse, a todo ônibus que estacionava, um ou outro moleque colocava o caranguejo no degrau. Até que chegou o momento em que colocaram o sujeito dentro do ônibus e o motorista, desavisado, fechou as portas. Lá foram as crianças correndo avisar pro cara que tinha “um bicho enorme e perigoso lá trás”.

Depois de tantas aventuras, finalmente viram que ele estava ou muito mal ou já morto. E aí deu uma louca (sim, ainda mais intensa) entre o bando, abriram um pote de maionese e esparramaram o conteúdo no chão: de lá saíram vários mini crustáceos, correndo para todos os lados, como se tivessem assistido à cena de terror feita com o companheiro gigante. E se aquele gigantão não foi páreo aos moleques (e a moleca), que chance teriam eles? Desataram a correr e aí foi um escândalo — entre as crianças, entre as pessoas que esperavam pelo ônibus e, como já dito, entre os mini crustáceos.

Houve muitas chineladas, chutes que levaram corpos para o meio da avenida para serem massacrados. Dentre estes, estava o Gigantão que aguardava em paz à rodada de misericórdia. Uma pata, de dono desconhecido, já separada do corpo, se mexia lentamente perto do meio fio. Um show de horrores que terminou com vários corpos esmagados no asfalto. Houve um enjôo, uma revolta e uma vergonha no final.

Há um trecho em “Misto Quente”, livro escrito pelo Bukowski, em que uns moleques aparentemente arrumaram uma briga entre um buldogue e um gato. Tenham arrumado ou não, também não faziam esforço para evitar a situação. Nesta parte, a personagem conclui que o gato não lutava apenas contra o cachorrão, mas contra toda a humanidade.

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o poeta é um fingidor

enquanto pecorro esse caminho
estranho e tão só, distinto
me bate saudades de tempos tão recentes
daquela torrente mista de alegria e
loucura
em que era eu tão crente.

absorta em fantasioso mistério
respirando promessas, anseando momentos
tudo ficou para trás, por onde os carros
andam
e por onde acabo de passar, passeando.

ainda que o cheiro e som estejam íntimos
e que o toque ainda me encoste
que o indisfarçável tremor na sua voz
me fascine
ainda é passado — efusivo, delirante.

de ti não peço o amor
quando há o perdão e adeus
peço que não fiques triste com minha
ausência
que mais triste que amor não
correspondido
é amor escondido — eclipsado,
jamais alcançado.

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something in the way

Não muito antigamente, abria a janela do meu quarto e aquela brisa congelante me encontrava instantaneamente. Um som de algo pesado correndo se aproximava muito rapidamente até que surgia ofegante a minha frente. Costumava encostar meu nariz em seu focinho, afagar e puxar suas orelhas e lhe coçar o topo da cabeça. Sempre muito quente, tinha impulsos fortíssimos de passar meus braços por seu pescoço e encostar minha orelha aos seus pêlos.

And I can’t complain.

Um pouco antes desse tempo, em determinada ocasião, daquelas em que nos encontramos no meio de um turbilhão de acontecimentos e o amanhã é algo totalmente inesperado, saí já no meio da noite, a rua um deserto, com um pequeno ser de cor amarelada, que nada entendia. Lembro de ter corrido tanto, tanto, tanto. Um tanto que hoje não correria. Senti o mesmo vento gelado tentando me parar enquanto nós corríamos a toda, sem um destino definido. Depois fomos parando, de bocas abertas e o calor nos invadindo o corpo. Acho que sou uma pessoa de vento e faz tempo que não me sinto leve assim.

And then, unexpectedly, I think of you.

Hoje o casaco traz esse quente para a vida e nem um pestanejo se dá antes de vesti-lo. Durante toda semana o usei até para tentar dormir. Em meio de tantos momentos fitando o escuro do quarto e virando de um lado a outro, implorando por minutos de sono e paz nos meus sonhos, me encolhia buscando algum conforto em vão. Em puro vão. Minha cabeça era alfinetada a cada movimento e minhas costas estavam duras, tensas, ao toque dos meus dedos. Fechava os olhos e muito tempo parecia ter se passado, olhava o relógio e descobria que o ponteiro teimava em sair do lugar. Rezava pela hora de acordar logo e de voltar a dormir assim que fosse possível.

And then, I think of you — so far and yet so close to me.

Das conversas ao meu arredor que me acuavam, do medo do contato com outras pessoas, principalmente em lugares fechados, do não ter-me feito entender, das promessas que no íntimo sei que não se concretizarão, dos dias e das noites tensas, do refúgio inexistente, dessa falta de comunicação, dessa doença é que a repetição, desse tédio sempre tão presente, desse se preocupar com coisas pequenas e essas dores, desse comercial de si, essa piada tão manjada, do não acreditar, do não saber ser...

Honey, it’s for you.

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Texto de Escola

"Tudo começara com a licença médica. Não que ele ignorasse por completo o objeto tão presente pelas salas de estar de sua vida. Acontece que com tamanha correria cotidiana e chegando tão tarde em casa, a perspectiva de se jogar na cama era muito mais aconchegante que uma tela de TV.

A médica recomendara repouso total, nada de grandes esforços e receitara centenas de remédios. Para tanto, nada mais propício que o sofá e, mais propício ainda, que este esteja em frente à uma televisão.

No começo era quase como uma descoberta: uma série, um desenho animado, aquela novela sobre a qual dona Ivone tanto falava, tudo ali tão perto e ele nem desconfiava. No começo, ele logo dormia, anestesiado, meio torto, no sofá. Foi depois de tantas reclamações sobre costas que doiam, que ele resolvera levar o eletrodoméstico para o quarto.

Foi neste momento que a coisa desandou.

Antes ele se perdia por entre os canais, confundia programações, perdia sempre os começos, um horror. A partir dali, possuia todos na mente e entre um 'pli, plim' e outro, escorregava entre as emissoras — uma levava a outra e ele não podia mais evitar. Do programa de culinária, ia para os desenhos e de lá para o jornal e daí vinha mais algumas distrações: uma reprise, um filme bobo, a novela de crianças, antiga, a engraçada, o jornal, um outro drama. Já havia terminado o dia, o sol já se escondera, mas ali estava ele, fiel àquela luz televisiva — esta que antes brilhava tão intensamente que lhe cegava, agora passa sempre suave por suas retinas e lhe massageia a face. E mais: nunca o deixava só.

Hoje ele ainda lembra, com saudades, dos bons tempos da licença médica e, quando é possível, ainda acompanha o Vale a pena ver de novo. Diz ele que não ficara hipnotizado, nem nada, que tudo era bobagem, mas a verdade é que os bordões permanecem, os comerciais sabe de cor e seus horários são todos baseados na Rede Globo."

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BBB

Não sei a que devo o tópico, mas acredito eu que seja porque estou mais focada no mundo televisivo devido a faculdade e à licença médica. De qualquer forma, peguei-me a pensar sobre o quão triste deve ser viver no Big Brother — não ignoro que eles têm comida, ar condicionado e ainda quinze minutos de fama, mas ainda assim deve ter um Q de tristeza em ser tão (temporariamente) Global.

Durante não-sei-quantos-meses lá se fica trancado, naquele que se torna seu lar. Lar este cheio de pessoas desconhecidas, vindas de diversos lugares com o único objetivo de te tirar de cena em busca do prêmio maior e ainda sendo vigiado vinte e quatro horas por dia dependendo de mais gente que não te conhece para continuar sobrevivendo. É praticamente como dormir, comer, viver ao lado de cobras.

Claro que na vida real também é assim, com a diferença que se tem para onde correr e lá não. Aqui fora podemos pegar um ônibus e desaparecer um pouco, entrar em um bate-papo e conhecer alguém de outro lugar completamente diferente. Lá dentro nem uma dessas escapatórias sociais é possível ter. Argh.

E aí tudo se completa com a votação. É quase como dar um tiro em alguém: imagino que alguns tenham prazer em apontar, mirar e atirar. BUM. Quem mais tiros leva, vai para a berlinda junto com a outra persona non grata (ou 'os fortes', 'o votado por não ter opção' ou qualquer outro termo que gostam de usar). Quando alguém finalmente é eliminado (executado), vem o vazio deixado pela morte.

Assim como este post, deve ser muito deprimente.

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Titre inconnu — sans la créativité

De uns (bons) anos para cá, em todos os carnavais algo me acontece. É fato. Claro que não fico ansiosa, às vésperas da festa, a me corroer, tentando prever qual será a da vez.

Por exemplo, houve um ano em que eu estava excitadíssima, pois passaria o feriadão fora de casa — e aos catorze ou quinze anos isso era o que havia de bom (ainda é, na verdade). Na véspera, chovia horrores. Sempre a esperançosa, não tirei minhas roupas da mala. Logo depois o triste e inevitável, o que me fez ficar em casa de frente ao computador, ouvindo axé e afins que faziam minha janela tremer: a mãe da minha colega, que ia me hospedar, ligou dizendo que chovera tanto que a casa dela fora invadida pela água.

— O convite está de pé, mas não sei se ela se sentirá confortável... — ela havia dito pelo fone, sempre muito simpática.

Este ano não foi muito diferente, só que não tinha nada planejado: nenhuma viagem, nenhum bloco a perseguir. Pensei que fosse ficar estar livre de qualquer enfermidade (que também foi tema carnavalesco de outros tempos) por já ter ficado doente logo no início de fevereiro — mas, como diria um conhecido, “não há nada que não possa piorar”. E assim foi.

A saga começou quando estava sentindo dores no peito. Depois de oito horas sentada na emergência e quase congelando...

“Não tem cara de ser dengue. É virose.”
É importante dizer e até engraçado de constatar que no Rio, se alguém espirra, já desconfiam de dengue. Dipirona em mãos, fui para casa.

Dois dias depois, com minha garganta doendo e tendo que esperar seis horas...

“Infecção bacteriana.”
Dipirona e umas quatro cartelas de antibiótico em mãos, fui para casa.

E aí durante o carnaval, a tosse que não parava.

“Aaaaah, isso é alergia! Vou te passar uma injeção e um exame de sangue.”
E lá fui eu.

Depois entreguei o exame à outra médica, o ‘meu’ havia saído em uma emergência.

— Esquece alergia. Isso não é alergia. Isso é um vírus, você está com alguma virose. Sem dizer que está quase anêmica.

— E a tosse? — perguntei

— Não há nada que eu te passe que irá resolver.

Meu Deus!

— Agora... Preste bem atenção: se essa tosse continuar, é tuberculose. Você está com alguns sintomas.

— Todos os outros médicos disseram que meu pulmão está limpo.

— Aaaah, ele fica escondido. Se batermos um raio-x agora, não irá aparecer nada.

Saí de lá com Dipirona e com a tuberculose na cabeça (ou no pulmão, sei lá).

Na semana seguinte tirei umas chapas de raio-x e na segunda-feira fui à uma pneu-mo-lo-gis-ta. Contei todo o caso, como já estava cansada de contar. Ela olhou as chapas e concluiu.

Não é tuberculose e você está anêmica”

Oh, ótimo, mas o que era ela também não me disse. Receitou um catatau de remédios — nenhuma Dipirona, ao menos, graçasaDeus.

Na quarta estava de volta. Uma enfermeira estava atendendo.

“Pelos remédios parece que você está com pneumonia. Pelo que você me contou parece ser sinusite.”

Parece, parece, parece. No dia seguinte voltei. Uma “simpática” me atendeu. Pediu mais chapas e o resultado:

“Bem, você está com sinusite”

Oh, mais um diagnóstico para fazer lista. Gostaria de unir todos os seis médicos que me atenderam em uma única sala e falar: “Vai lá, diz na cara dele que não era alergia! Diz aí para ela que é virose e não bactéria! Quero ver, quero ver!”

Muito (mal) se diz sobre a qualidade do atendimento público. A verdade, acredito eu, é que no fundo o que falta é tempo. Todas as três vezes que esperei horas (e não é exagero) para ser atendida no UPA, não levei mais de sete minutos com o (a) doutor (a). O tempo, porém, seria suficiente (afinal, são turnos durante 24 horas) se houvessem médicos suficientes. Nunca deixei de ser atendida, mas uma boa injeção de paciência direto na veia se faz necessária. Eu tenho saúde para ir e vir, ainda posso esperar, mas há aqueles que não podem (e não devem), mas que ficam e aí acontecem essas tragédias vistas nos jornais.

É triste.

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Duas e Dezessete

Duas e Dezessete

Ontem, já à noite, ele anunciou ter encontrado um inimigo, desses que pareciam ter tomado anabolizante e que travava lutas por aí. "Não pensa, mata", mandei, como uma verdadeira tirana, sem dó, nem piedade. Ô serzinho nojento, desprovido de qualquer partícula socialmente aceitável. Morte, morte, morte.

Eis que o eliminador falhou em sua tarefa: pelo despreparo que o levou a distração e, consequentemente, a fuga do elemento — pois de certo era um macho.

"Se escondeu" justificou-se o matador e, conformado, voltou ao seu posto em descanso. Frustrante, mas nada surpreendente. Ele, em um ato insano, logo após a desistência, quis apagar as luzes.

"Perdeu a cabeça? Além de nos deixar desprotegidos, ainda nos banhará pela escuridão e dará a ele o crédito de se esconder e atacar sem que possamos nem mesmo ver?!"

Com o alerta, afastou a mão do interruptor e deitou-se, totalmente vencido, sob o colchão. Davi vitorioso sob Golias — mais uma vez. Tranquei-me, muito depois, em meu próprio refúgio e não sai de lá até que a luz do sol adentrasse pelas janelas e me permitisse o luxo da clareza por todo o ambiente. Passei o restante do dia a ponderar, imaginar, desejar que ele já estivesse fora. “Será que ele já se retirou? aproveitou a noite, redimiu-se e foi para outro lugar?"

Como pode um sujeitinho desses pensar que, simplesmente, pode chegar e se acomodar, se fazer em casa? Imaginei-me, sentindo arrepios, claro, não podendo ir ao banheiro pela sua presença; não me estirar no sofá por receio que ele surja e me afaste do sossego. Como posso dormir com a ameaça dele entrar no meu quarto e... Deus!

E aí, nesta turbulência, o localizo: bem em cima da MINHA mesa, onde me sento, onde como, onde falo, onde a tudo faço e ele bem ali, se achando dono da madeira, crente, crente que pode correr para lá e para cá. De repente me vi como Arturo, só que em vez de caranguejos, era com baratas que eu estava lidando; e à guisa de um massacre, algo limpo e discreto me bastava: um único golpe e ela (ele, pois de certo era um macho) estava morta ao chão.

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