Texto de Escola

"Tudo começara com a licença médica. Não que ele ignorasse por completo o objeto tão presente pelas salas de estar de sua vida. Acontece que com tamanha correria cotidiana e chegando tão tarde em casa, a perspectiva de se jogar na cama era muito mais aconchegante que uma tela de TV.

A médica recomendara repouso total, nada de grandes esforços e receitara centenas de remédios. Para tanto, nada mais propício que o sofá e, mais propício ainda, que este esteja em frente à uma televisão.

No começo era quase como uma descoberta: uma série, um desenho animado, aquela novela sobre a qual dona Ivone tanto falava, tudo ali tão perto e ele nem desconfiava. No começo, ele logo dormia, anestesiado, meio torto, no sofá. Foi depois de tantas reclamações sobre costas que doiam, que ele resolvera levar o eletrodoméstico para o quarto.

Foi neste momento que a coisa desandou.

Antes ele se perdia por entre os canais, confundia programações, perdia sempre os começos, um horror. A partir dali, possuia todos na mente e entre um 'pli, plim' e outro, escorregava entre as emissoras — uma levava a outra e ele não podia mais evitar. Do programa de culinária, ia para os desenhos e de lá para o jornal e daí vinha mais algumas distrações: uma reprise, um filme bobo, a novela de crianças, antiga, a engraçada, o jornal, um outro drama. Já havia terminado o dia, o sol já se escondera, mas ali estava ele, fiel àquela luz televisiva — esta que antes brilhava tão intensamente que lhe cegava, agora passa sempre suave por suas retinas e lhe massageia a face. E mais: nunca o deixava só.

Hoje ele ainda lembra, com saudades, dos bons tempos da licença médica e, quando é possível, ainda acompanha o Vale a pena ver de novo. Diz ele que não ficara hipnotizado, nem nada, que tudo era bobagem, mas a verdade é que os bordões permanecem, os comerciais sabe de cor e seus horários são todos baseados na Rede Globo."

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7 Response to "Texto de Escola"

  1. Anônimo Says:
    abril 24, 2009

    Bela narrativa. Se o texto não foi baseado em fatos verídicos, com certeza assemelha-se a vida de muitas pessoas.

  2. Inez says:
    abril 24, 2009

    O texto está muito bom, uma narrativa do que é comum na vida de muita gente.

  3. P. Florindo says:
    abril 24, 2009

    Ser dependente da televisão ninguém merece. Tem gente que é realmente viciada em TV e que leva as novelas, inclusive a sério demais. De vez em quando é comum o vilão da novela dizer no Vídeo Show que o público o aborda e o recrimina (não sabem separar a realidade da ficção). O mesmo acontece com alguns jovens que nasceram na frente de um monitor de computador.

    Acho interessante quando um programa de TV é sucesso e as pessoas usam alguns bordões no dia a dia. Só não acho saudável viver em função da TV...

  4. Antonoly says:
    abril 24, 2009

    Gostei do texto, bem escrito e com a grafia correta, o que é raro na blogosfera!
    Beijos!

  5. Unknown says:
    abril 24, 2009

    É quando não temos nada para fazer reclamamos , quando a agenda fica repleta de compromissos reclamamos da falta do tempo livre , estamos sempre reclamando de algo. rsrsrs

  6. Anônimo Says:
    junho 23, 2009

    Não curto muito televisão, nunca fui muito fã, sempre li muito, e meus filhos serão acostumados assim, a tv hoje em dia só dá mau exemplos.

    BLOGdoRUBINHO
    www.blogdorubinho.cjb.net

  7. Anônimo Says:
    julho 09, 2009

    Televisão se transforma em um belo vicío, tem que ter cabeça para não ficar grudado na telinha.
    Eu sou um que detesto tv, o máximo que assisto e o Jornal Nacional, prefiro livros de histórias e de estudos.
    Bela narrativa!
    Beijinhos.