Live and let die
Live and let die
Os olhos pesados me denunciavam, assim como os passos apressados e os dribles pela rua afora. A paisagem não poderia ser diferente, embora se tenha diferenças todos os dias.
Dobro a esquina, quase cantando pneus. Bem, cantaria se tivesse um pneu, ao menos.
Três mãos me oferecem papéis. Empréstimo. Consócio. Penhor. Assim que os pego, os amasso a destino do lixo ou do bolso.
Na loja mais adiante, um enorme pelúcia amarelo e de pés laranja, canta e dança. Às sete da manhã.
Tenho que estudar — foi minha nota mental.
Ando em frente, olhando para o lado, esperando o momento para atravessar, não posso perder tempo.
Algo cinza quase se camufla no asfalto. Tentava andar e cambaleava com o passar de ônibus e carros. Estreitei os olhos. Diminui o passo. Um pombo, reconheci. Devia estar com a asa quebrada. Certamente estava ou era um pombo suicida. Animais se matam? — balanço a cabeça, volto a olhar: um, dois, três carros passaram perto dele. Olho para frente e para trás, de um lado para o outro.
NINGUÉM VAI FAZER NADA?! Um homem, com uma carroça cheia de papelão está perto. Em pensamento agito os braços, sinto minha face esquentar, grito: EI, TIRA ELE DAÍ! ELE VAI MORRER!
Volto ao real, seguro as alças da mochila com força. PRA QUÊ TANTO DESESPERO, AFINAL? Algo me bate: Porque não você? E a mesma voz, retruca: O quê? Atrasada, esqueceu?
Me vejo parada, olho para os lados, sem saber o que fazer. A cada fio tirado por um carro, um aperto no coração.
Tanta gente passando, e ninguém faz nada!
Sou um deles — conclui.
Ande — voltou a mandar a voz.
Não posso — foi a resposta. As mãos ainda firmes na mochila.
Respiro fundo. Continuo o meu caminho, me forçando a não olhar para trás.
Deixar de ser covarde — foi minha nota mental.
Rebecca Albino
03/MAI/2007