Coisa que não é legal

Ser deixado esperando não é legal, pois se você está esperando é porque alguém marcou algo contigo e, aparentemente, não levou a sério. Digo “aparentemente” porque, lá no fundo, você espera que a pessoa em questão apareça com a melhor das desculpas, algo do tipo “Foi mal, cara, no caminho eu vi um orfanato pegando fogo e resolvi ficar para ajudar as criancinhas.” Daí o sujeito faz uma cara angelical e completa com “Você não ficou chateada, ficou?”. Sim, porque desculpas do tipo “Peguei um engarrafamento do cão na Presidente Vargas!” não rola mais. E o engraçado é que, geralmente, você sabe por que a pessoa se atrasou, mas engole qualquer desculpa do mesmo jeito! Você sabe que ele/ela dormiu mais do que deveria, não se organizou, marcou mais coisas do que deveria ou que se esqueceu. Mas até a desculpa ser dada pela persona que te deixou esperando, parece que tudo acontece.

Eu, por exemplo, já cheguei à conclusão de que cheiro a Gadernal e, por isso, todos usuários do mesmo parecem se atrair à minha pessoa. De toda uma pequena população de rodoviária, são eles que sentam ao meu lado, naquele banquinho de plástico que lembra consultórios médicos populares (ou mal decorados), são eles que vão me pedir informação, são eles que olham para mim, são eles que resolvem me contar a vida inteira, enfim...!

Mas o fato são as pessoas que não se tocam. Quando espero alguém, geralmente espero com um livro ou com o mp3 (dependendo de onde estiver) e tais pessoas parecem ignorar isso. Exemplo: você está lá, lendo seu livro na maior concentração, sem quase piscar e a pessoa ao lado não pára de falar. Você revira os olhos, respira, conta até dez, mas nada resolve. Pior é o mp3, pois o fruto da natureza parece ser cego aos fones no seu ouvido, ou surdo em relação ao ruído da música e começa a dissertar sobre a mãe doente, sobre a falta de emprego, sobre como as pessoas são ruins nos dias de hoje, sobre a manchete do jornal... E tudo que passa na sua cabeça é a maneira como você irá matar a pessoa que te deixou nessa situação.

Sobre o exemplo do livro: algumas pessoas, não satisfeitas de acabar com sua leitura, chegam ao cúmulo de te fazer perguntas sobre o livro: “Que livro que você está lendo?” (você mostra a capa, afinal quer dar o mínimo de papo possível), “É grosso, hein. Você consegue ler isso tudo?” (não, eu carrego por aí de sacangem, sabe?, é a resposta que dá vontade de falar), “É bom?” (é a pergunta favorita!), “Fala sobre o quê?” (essa me mata, não pela pergunta, mas porque eu detesto sinopses e, sendo totalmente off-topic, isso é papo para outro post). Sabe o que essas perguntas significam? Que a pessoa está disposta a testar sua paciência.

Quando finalmente há desistência de se ler ou ouvir música da sua parte, apenas lhe resta cruzar os braços, observar e esperar mais um pouco. Em um canto você nota uma mulher gritando ao celular, desesperada por causa da filha, uma cópia perfeita da Helena de “Laços de Família”, e ela também espera, depois de tanto berrar; todas as crianças da cidade resolvem aparecer pedindo a um ou outro para comprar o doce que carregam, cheios de charme. Curioso é que elas não pedem para a garota com espinhas e blusa do colégio estadual; por esta passam direto, e eu agradeço por isso. E então você adquire um vício momentâneo para passar o tempo; o meu é, geralmente, uma bala de hortelã, que compro na banca de jornal mais próxima.

E mais espera.

Coisas as quais você nunca prestou atenção antes, de repente pulam, exibidas, aos seus olhos; você sorri e pensa: “tenho que escrever sobre isso”. As ruas, os detalhes do chão, de um monumento, de um ponto turístico... Todos, a essa altura, já estão marcadas na sua mente e talvez, um dia, você conte isso à alguém.

As pessoas que você observou, que estão na sua mesma situação, vão indo e outras vão chegando... E lá tu permaneces. O moço da banca de jornal tira onda da sua cara: “Ainda aí? Não é melhor fumar um cigarro, não?”. É aí que você sabe que o mundo acabou. Mil pensamentos de “se não chegar em 10 minutos, eu vou embora” são debatidos pelos outros mil que dizem “se já estou aqui há tanto tempo, vou ficar até o fim”.

E você fica até o fim.

Rebecca Albino
13/out/07


  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • Twitter
  • RSS